quinta-feira, 24 de julho de 2008

Eu tenho o direito de ter AIDS?

Eu sei que o título deste post é um tanto quanto agressivo, mas no momento é assim que eu me sinto! Tendo adquirido consciência de minha condição de soropositivo há 21 anos às vezes ainda me assusto ao perceber que a ignorância alheia ainda existe em relação a minha condição.
Sei que não sou o único nesta condição, mas quando se trata de lidar com preconceitos cada um tem sua maneira de reagir. A minha reação sempre foi de espanto, de espanto e um terrível dó daqueles que dividem espaço comigo neste planeta.
Já há algumas semanas vivo um terrível dilema pessoal. Meu namorado sempre teve verdadeira adoração pela cultura árabe e principalmente pela História do Egito. Sempre foi seu sonho conhecer o Egito, chegou até a estudar árabe em sua adolescência na ânsia de um dia conhecer as terras egípcias e suas belezas arquitetônicas datadas já de alguns séculos de existência.
Ele também é soropositivo como eu há muitos anos. Estamos ambos bem de saúde, ambos temos carga viral indetectável e contagem de linfócitos acima de 700 cópias.
O risco que temos de virmos a nos despedir em breve desta vida se dá mais em razão de morarmos em uma cidade onde as mortes por causas violentas só fazem aumentar dia após dia do que em razão do vírus HIV que carregamos em nosso sangue. Vivemos em São Paulo, e este já é um bom motivo para nos preocuparmos diariamente se retornaremos vivos a nossos lares depois de um longo dia de trabalho.
Bem, retornando ao assunto: há alguns meses, ele me disse que completaria 40 anos e se daria de presente a tão sonhada viagem ao Egito. Disse-me que a viagem lhe traria muita felicidade, principalmente se eu pudesse ir com ele.
Bem, eu nunca pensei em toda minha vida em conhecer o Egito, mas eu sabia que o faria feliz se fosse junto e imediamente comecei a fazer os preparativos para a viagem a ser feita em janeiro de 2009: roteiros, cruzeiro pelo Nilo, reserva de hotéis, passagem aérea, etc.
Foi então que tivemos a idéia de utilizar uma companhia aérea árabe que voa para o Egito com escala em Dubai nos Emirados Árabes. E foi bem aí nesse estágio que meus problemas começaram.
Compramos a passagem primeiramente e só depois comecei a pesquisar sobre os lugares onde iríamos. Fiquei estarrecido ao descobrir através de minhas pesquisas na Internet a quantidade de preconceito que existe nos países árabes contra portadores do HIV. A quantidade de notícias sobre pessoas que sofrem por serem soropositivas ou apenas suspeitas de o serem em países islâmicos é estarrecedora. Nem vou citar todas aqui porque ficaria tudo longo demais, mas há algumas interessantes:
No Egito homens são forçados a fazerem exame de sangue e até mesmo terem o reto examinado para que ficasse provado que haviam praticado o sexo pecaminoso dos homossexuais

Que tristeza...nem vou colocar outros links porque é tudo muito triste. Todo estrangeiro nos Emirados Árabes que seja portador do vírus HIV é passível de prisão e deportação. Pelas notícias que li a deportação seria o melhor de todos, não gosto nem de pensar o que aconteceria comigo se fosse preso por ser HIV+ nos Emirados Árabes. Pelo que li os Direitos Humanos não fazem parte dos sistemas prisionais de lá. Ser preso sem direito à defesa não me pareceu ser algo incomum por aquelas bandas.
Mas o que me deixou mais triste ainda foi ler em um
grupo de discussão do UOL VIAGEM um artigo que diz que os Estados Unidos vão por fim às restrições de entrada de pessoas portadoras do vírus da AIDS em seu território.
E eu que achava que esse vírus que carrego em meu organismo há 21 anos tinha sotaque americano! Se tinha já deve ter perdido depois de tanto tempo .
O pior foi ler um dos comentários feito por um dos leitores que diz literalmente (COPY AND PASTE DO ARTISTA A SEGUIR): "Sou contra ainda mais sendo estes brasileiros povo extremamente cruel e invejosso serão capazes de conquistar homens e mulheres NORTE AMERICANOS para depois os infectar com HIV EU SE TIVÉSSE A BENÇÃO DFOSSE DE INDOLE DECENTE NÃO BRASILEIRA PARA SER UM AMERICANO ESTADUNIDENSE EU LUTARIA CONTRA SO ABRIA EXEÇÃO PARA OS NATOS DE PAISES DIGNOS COMO CANADA,ESPANHA,ITALIA!!!!!MUITO OBRIGADO".
navblog.uol.com.br/comment.html
O português do cidadão aí acima é sofrível, mas ainda mais são suas idéias. E viva a democracia! Porque graças a ela ambos temos o direito de expressar nossas opiniões!
Bem, pra terminar só posso dizer que estou muito triste com isso tudo. Triste com a mentalidade das pessoas, triste pelo preconceito, triste por saber que em alguns países tanto do mundo dito desenvolvido, leia-se: Estados Unidos da América, quanto do mundo com idéias mais retrógradas como o "mundo árabe", temos ainda que lidar com este tipo de preconceito em pleno final de primeira década do século XXI.
Eu sei que nos Estados Unidos bem como em vários países islâmicos há pessoas que não refletem este tipo de idéia. Estou me referindo aos governos. Até mesmo porque o Brasil é tido como um país de idéias modernas e de um povo mente aberta e o depoimento de meu conterrâneo acima também é a meu ver "um tanto quanto" preconceituoso, pra não dizer outra coisa.
Há 10 anos (comecei a tomar o coquetel em 1998) necessito de medicação anti-retroviral para que meu organismo resista aos ataques do virus HIV. Pretendo ficar 21 dias viajando pelo Egito e não posso abrir mão da medicação por período tão extenso.
O número de
substâncias consideradas proibidas nos Emirados Árabes é imenso (são 27 páginas, clique no link). Se alguém desavisado entra no país portando um medicamento qualquer que esteja na lista de medicações proibidas sem portar receita médica e declaração médica explicando a extrema necessidade do uso daquela medicação, as chances de ser preso não são nada pequenas. Se o risco fosse apenas o confisco da medicação e a permissão de entrada ou até mesmo a deportação do turista isto não seria tão grave, mas pelas noticías que tenho lido na internet as coisas não são assim tão simples.
O grande problema para mim é que minhas medicações não fazem parte da lista negra dos EAU (Emirados Árabes Unidos), mas têm a palavra AIDS estampada em seus rótulos e é condição que todos os medicamentos estejam devidamente acomodados em suas embalagens originais para não criar suspeitas. Ou seja, se correr o bicho pega (por não apresentar as medicações em suas embalagens originais) e se ficar o bicho come (porque ser soropositivo por lá é passível de deportação) .
Pode ser que esses meus medos sejam completamente infundados e eu entre e saia de Dubai sem sofrer nenhum tipo de constrangimento por carregar em minha bagagem de mão comprimidos que me mantêm vivo. Mas pode ser que não, portanto se não houver mais posts neste blog após janeiro de 2009 por favor procurem por mim.
PS: As partes grifadas ou em caracteres diferenciados neste texto são links. Clique nelas para ser levado (a) aos sites correspondentes.





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