sábado, 10 de dezembro de 2011

E-mails de leitores

Como faço às vezes, torno público aqui e-mails de leitores porque acredito que nada há de mais importante para todos nós do que a convivência entre as pessoas e a troca de experiências. Aprendo muito com os e-mails que recebo e tento também passar um pouco do que eu sei. A indentidade das pessoas, desnecessário dizer, é completamente protegida.
Abraços a todos,
Anderson


 Salam Waleikum,

E-mail 1

Me chamo ........, vi seu blog e achei muito interresante sou mulçumano mas sou brasileiro, tenho 19 anos, conseguir um bolsa de estudos pra um a univercidade no iran foi tudo uma festa... o engraçado foi que chegando lah depois de dois meses fui fazer o exame de sangue pra aceitaçao da univercidade e descobrir que sou soro possitivo fui, expulso da univercidade e do país meus sonhos foram pro buraco, mas a vida é assim, me fale como sonseguiu lidar com a situaçao quando vc descobriu que é soro possitivo, vc contou pra sua familia? pois eu nao posso contar pra minha familia nem amigo... e fora que se contar na mesquita onde frequento serei expulso tambem... moro em SP onde tem hospitais que posso fazer tratamento especializado... e como é o inicio do tratamento???
se cuide, espero receber uma resposta
Abraço.

Salam Waleikum, amigo,
Desculpe pela demora na resposta, mas estava com problemas para receber as mensagens. Estive no Egito em janeiro de 2010 e janeiro de 2011 e passei 4 vezes por Dubai...há no meu blog uns posts que eu fiz comentando sobre a época e minha experiência. Eu entendo a barra que deve estar sendo pelo fato de ser muçulmano e ter que lidar com o preconceito, mas esta é a realidade com que terá que lidar, infelizmente, ou felizmente, porque se tem apenas 19 anos muitas mudanças ainda vai poder fazer em sua vida, como eu fiz em minha vida quando descobri que era soropositivo.
Eu tinha sua idade e hoje tenho 44 anos, completo 45 anos em fevereiro de 2012 e posso lhe garantir que com preconceito ou sem preconceitos cheguei aqui e não estou parado não...levo uma vida ativa, social (não muito porque faço faculdade e trabalho, mas não é por causa do vírus), sexual (xiiiii...piorou...rs...mas também nada tem a ver com o vírus HIV...rs...) e profissional (esta eu levo bem ativa, trabalho como um louco, mas amo o que eu faço e não me arrependo de nada. Ultimamente ando cansado das pessoas no meu trabalho que fazem tudo por interesse em se promover, mas isso nada tem a ver com o amor que tenho pela sala de aula e pelo ato de ensinar).
Eu não vou lhe contar aqui a história da minha vida porque ela é longa e está em um livro escrito por mim chamado “a Harte de vIVer. Como minha intenção com o livro nunca foi de ganhar dinheiro, etc...ele está disponível gratuitamente na internet no google docs. O link está no meu blog em
Eu não acho, meu amigo, que deva contar isso a ninguém porque simplesmente não é necessário. Ah...outra coisa...cuidado com os melhores amigos também...se puder evitar a decepção de ser traído por alguém que vá contar seu segredo a outras pessoas, melhor será. Não conte isso a ninguém que você não tenha plena certeza que não irá passar a notícia adiante. Um segredo deixa de ser segredo quando contamos a alguém, ok?
O melhor a fazer é procurar grupos de apoio onde as pessoas estão no mesmo barco, e mesmo assim não significa que o fato de alguém ter o vírus HIV+ como você e eu e tantas outras pessoas têm, faça delas pessoas dignas de confiança. O vírus pode estar com qualquer um, bom, mau, rico, pobre, muçulmano, católico, espírita, hétero, homossexual, etc. Participei por algum tempo de grupos de convivência e descobri que o fato de termos o vírus não nos faz pessoas iguais. Tinha a fantasia por exemplo, de achar que ter um namorado HIV+ seria a solução para meus problemas, pura besteira de minha parte, nestes 25 anos já tive relacionamentos com soropositivos e negativos, e nenhum relacionamento foi perfeito ou eterno porque o parceiro tinha o vírus ou não tinha o vírus. Somos todos humanos, não somos um vírus, entende? Quem precisa saber de sua condição no momento é somente seu médico e você, procure por grupos de auto-ajuda na internet, frequente a sala HIV do bate-papo UOL, lá tem gente muito legal, mas tem muito louco e mau caráter também, como em todo lugar da Internet. Há mais ou menos 10 anos eu era frequentador da sala de chat HIV e lá fiz muitos bons amigos...não vá a encontros sozinhos, costumávamos promover encontros de grupos da sala em bares e locais públicos e era muito legal na época. Infelizmente entrei num relacionamento há 10 anos e cometi a burrice de me afastar das pessoas da sala, mas não foi culpa de ninguém, foi culpa minha mesmo, e faz parte do meu processo de experiência e de amadurecimento. A gente só aprende errando e acertando, não é mesmo?
Quanto ao início do tratamento, só um médico vai poder lhe dizer como e quando iniciar, meu amigo. Quando eu iniciei, em 1998, o paciente tinha que ter um número X de CD4 (contagem de linfócitos) para dar início ao tratamento medicamentoso, ou seja, demorei porque a quantidade de linfócitos que eu possuía de 1995 a 1998 não era indicativa de terapia com medicamentos, mas hoje isso pode ter mudado, já ouvi pessoas dizendo que alguns médicos optam por iniciar a terapia assim que têm o resultado positivo e sua confirmação em mãos. Fale com o seu médico a respeito, ok?
Grande abraço e mande notícias quando puder!
Anderson

E-mail 2

Olá, Anderson. Sou descobri que sou soropositivo há um ano e quatro meses. Na verdade eu suspeitava e larguei prá lá. Mas pelo amor incondicional de um amigo fiz os exames e batata: tive que iniciar a terapia ARV logo de cara porque o cd4 estava em 189. Com três meses de tratamento minha carga viral, ora 37.800, ficou idetectável, mas o cd4 nesse um ano e quatro meses varia muito e nunca passou de 356. Nunca tive uma infecção oportunista.
Olá, amigo, tudo bem? Obrigado por ter me escrito. Então, como vc já deve saber eu descobri que era soropositivo em 1987 e iniciei tratamento em 1998, há 13 anos. Neste período mudei de terapia inúmeras vezes por ter tido resistência às drogas. A resistência, em alguns casos, era do meu corpo, houve uma época em que eu tomava um medicamento Crixivan que quase acabou comigo, cara. Sempre tive tendência a engordar desde a adolescência, mas quando tomei o Crixivan em meados de 2003 eu literalmente quase sumi...rs...lembro que usava até calça com cintura baixa porque a barriga sumiu...hehehe...desta parte eu gostei, mas fiquei muito magro com aparência de doente e isso me incomodava. Tive lipodistrofia nas pernas, as veias dos membros inferiores ficaram bastante expostas e eu tinha muita vergonha de ficar nú, usar shorts, ir à praia, etc. Aquilo me revoltou na época, mas um dia me dei conta que a lipodistrofia era nas pernas e não no cérebro, eu já estava com 36 anos e não ia mais mesmo ser modelo...rs...então relaxei e levei a questão pra terapia, etc. O que eu quero lhe dizer com isso tudo é que tudo passa, tudo é aprendizado, eu sequer imaginei que aquele quadro fosse regredir um dia. Aí eu tive uma crise de cólica renal grave e fui parar no hospital. Eu estava no meio de uma aula (sou professor), fui sentido uma dor aguda no abdômen, que foi crescendo, crescendo e me absorvendo (rs...plágio de uma música de um cantor da década de 70 ou 80, não me lembro bem) e fui ficando branco, branco e no fim fui parar no hospital. O efeito colateral do Crixivan mais temido por mim se fazia presente; era o cálculo renal. Trocando em miúdos, o médico solicitou um exame que à época sequer consegui fazer pela rede pública, paguei quase R$ 2000 pra fazer aquela tranqueira, foi uma genotipagem, e aí descobrimos que eu era resistente às 3 classes de drogas existentes naquele momento: inibidores de protease, inibidores de transcriptase reversa e não me lembro do que mais....continuando...minha sentença de morte tinha chegado em minha cabeça. Eu era soropositivo já há 16 anos, já não era mais nenhum garotinho, tinha 36 anos, estava resistente às drogas que podiam me ajudar...morri! Pensei...mas não foi nada disso como vc pode perceber deste e-mail que te escrevo aqui do planeta terra mesmo...rs...fiquei 3 meses sem tomar nada, iniciamos uma nova terapia e em 1 ano e meio estava tudo bem...desde então tive que trocar de remédios novamente por resistência e há cerca de quase dois anos, acho, minha CV está indetectável e a CV está acima de 800...já chegou até a 1000, mas fiquei anos, não foram meses, com no máximo 300 cópias de CV, meu amigo. O importante é como você está se sentindo, não fique se apegando muito a estes números de laboratório...pense positivo, imagine os viruzinhos morrendo, pedindo socorro todas as vezes que você engole os comprimidos...comigo funciona! Ah...e ano passado se não me engando quase fudeu tudo de novo outra vez. Estava tudo bem com os exames e tudo mais e começou a faltar Abacavir no mercado, resisti enquanto pude pra não mudar a medicação, mas não adiantou e acabamos tendo que trocar o Abacavir por Lamivudina. Hoje tomo Kaletra (2cp de 12/12 hrs), Tenofovir (1 cpr ao dia) e Lamivudina (1 cpr de 12/12 hrs)...são 7 comprimidos diários + Succinato de desvenlafaxina monoidratado (antidepressivo de nome comercial Pritiq 50mg)...então já são 8 diários...no momento...rs...
Como falo como uma matraca o dia inteiro na sala de aula, há 2 meses venho sofrendo de uma dor de garganta que não sara. O médico pediu exames e estou sofrendo de refluxo e tenho duas úlcerasinhas bastante ativas em meu estômago...adicione então à conta anterior + 1 comprimido diário de Pantoprazol 40 mg todas as manhãs em jejum...rs...mas quer saber? Eu to bem, graças a Deus...o importante é que estou me tratando e vivendo minha vida. Faço faculdade pelas manhãs, corro pra casa, almoço, preparo aulas, dou aulas todos os dias das 16 às 22 horas com intervalos de 20 minutos entre uma aula e outra e no sábado também dou aulas das 8 às 16 horas...é mole? Hehehe...mas to feliz por estar a um ano de terminar a faculdade de Letras e já faço planos pra pós-graduação em 2013.

Vendo sua experiência, seu amor pela vida e seu enjagamento virtual gostaria de perguntar duas coisas:
1) Será que nunca vou conseguir um cd4 mais alto que 356? O cd4 demora de estabilizar em niveis mais seguros? Não entendo porque não sobe, uma vez que a carga viral já é indetectável há um ano.

Bem, amigo, acho que já respondi a questão no texto acima, né? 356 não é um número baixíssimo de CD4...eu vivi com números muito próximos a isso, e até mesmo abaixo disso por mais de 12 anos quando tive acesso aos medicamentos em 1998. E mesmo tomando medicamentos houve vezes em que meu CD4 baixo pra 200...o mais baixo que tive foi 180, que eu me lembre...e eu estou aqui pra te escrever isso, né?

2)Como consigo seu livro?

O link para baixar o livro está no blog em http://www.ahartedeviver.blogspot.com/ Obrigado pela atenção. Fique com Deus!
Ah, e parabéns pela idéia do "banco de remédios". Sabia que eu já havia me questionado sobre isso? E quando alguém muda um esquema, será que devolvia os anteriores?

Então, meu amigo, a ideia do banco de remédios não deu certo, infelizmente, não porque eu não quisesse, mas na verdade não houve retorno e me dei conta que disponibilizar acesso a remédios é ato perigoso, talvez até ilegal, por isso desisti da ideia. Acho que talvez uma ONG pudesse fazê-lo, mas acho que seria muita responsabilidade dar acesso a medicamentos às pessoas sem ao menos sabermos o que elas farão com eles, né? Acho que o mais indicado seria que as pessoas devolvessem os medicamentos em caso de troca de terapia anti-retroviral, assim as pessoas poderiam ter acesso a eles em caso de falha na distribuição por parte do governo.
Grande abraço,
Anderson Ferreira