Há dias em que me tele transporto para a sexta-feira, 13 de
março de 1987. Foi o dia em que recebi o diagnóstico de morte das mãos de um
funcionário de um laboratório de análises clínicas na região da Avenida
Paulista em São Paulo.
Eu me lembro que era um dia de calor e eu estava muito
confuso, passei pela igreja na esquina da Rua Cincinato Braga com a Avenida
Brigadeiro Luiz Antonio e fiz o sinal da cruz. Agora pensando bem, aqui do meu quarto, havia mesmo lá uma igreja? Ainda há? Às vezes folheio o
“Harte” (maneira íntima a que me refiro ao livro que escrevi) e me pego
pensando se aquilo tudo aconteceu de verdade ou se criei um roteiro
cinematográfico da minha própria vida em minha mente de escritor...sei
lá...acho que não...e se criei situações floreadas de mais juro que não fiz de
propósito (risos).
Eu só tinha 20 anos, meu Deus. Não sabia quase nada da vida,
e hoje em dia com 46 continuo sabendo muito pouco, da minha própria vida e da
vida em si. Fiz
o que nestes 26 anos de vida com o vírus da AIDS? Me apaixonei inúmeras vezes,
vivi grandes amores e emoções, trabalhei muito pra pagar contas, não comprei
quase nada de bens chamados imóveis, aliás, comprei nada, porque não tenho um
apartamento meu ou casa para viver; pago aluguel. Isto talvez eu devesse ter
feito diferente, sei lá, quem sabe ainda compro, né? Dinheiro não tenho pra
fazer isto, mas como dizem amigos meus, quando a gente quer a gente consegue.
Eu é que nunca quis mesmo, sempre gostei de usar meu
dinheiro pra viajar pelo mundo, disso sim eu gosto! Agora mesmo vivo uma
situação de extrema infelicidade profissional, tenho me arrastado para o
trabalho, não por causa dos alunos, desses ainda gosto, e quando a aula começa
eu me esqueço de tudo, até das intempéries que tenho vivido na empresa eu me
esqueço durante as aulas. Mas quando acaba a aula e eu tenho que enfrentar
outras questões, tenho vontade de pegar meu banquinho e sair de mansinho. Bem,
é só uma fase, não acredito em coincidências, isso tudo tem um motivo para
estar acontecendo. Não me vejo nem um pouco como vítima, pelo contrário, se
está acontecendo é porque tenho que passar por isso e aprender através disto. E
melhor, tudo vai se resolver, este problema que agora existe, hoje, 28 de abril
de 2013, daqui a um ano nem será mais lembrado por mim, tenho certeza.
Eu quis mesmo escrever este post foi porque estou sentindo
uma tristeza daquelas profundas, sabe? É a bendita depressão me chamando à
tona. E quando ela vem dessa forma eu olho tudo ao meu redor tentando detectar
o que é resultado dela e o que é realidade. E fica difícil perceber as
diferenças, e aí eu olho lá pro passado e fico tentando ver se também lá
naquela época eu via as coisas com essa névoa como tenho visto ultimamente.
Sofrer de depressão eu sofro desde que eu nasci, e naquela época eu não tomava
remédio nenhum (agora também não estou tomando há 3 meses), e tentei suicídio
aos 15 anos de idade, depois aos 17? Será que foi aos 17? Minha memória anda
falhando...e depois aos 36, sim, aos 36, em março de 2003...já faz 10 anos!
NÃOOOOO!!! Eu NÃO estou pensando em tentar suicídio novamente, ou melhor, penso
sim, porque a maldita manda essa ideia pra mim, faz parte do mise-em-scène
dela, mas eu engano ela. Sabe como é, faço de conta que compro a ideia, mas não
compro, entende? Se chegar ao ponto que cheguei em 2003 corro pro médico e
peço ajuda laboratorial, do tipo internação mesmo...que não é nada bom porque
eles colocam a gente junto com pessoas que têm problemas gravíssimos,
seríssimos, e a gente até acaba ficando bom logo de tanto que vê os outros
sofrerem...hehehe...triste dizer isso, mas é verdade. A gente vê pessoas
conversando com outras pessoas que não estão ali fisicamente, os
esquizofrênicos, tem também gente
enfiando o dedo na garganta a torto e a direita no banheiro, outros se
contorcendo de dor pela falta da droga com que lutam há anos...sim...este
foi o cenário com o qual me deparei em um ambiente de clínica privada, paga
pelo convênio médico; imaginem como deve ser em um hospital público!
Mas por que foi que resolvi escrever este post mesmo?
Ah...lembrei! Porque to triste por perceber que 26 anos se passaram desde
aquele dia e o mundo ainda continua muito ruim. Será que eu era alienado demais
naquela época pra perceber o mundo à minha volta ou o mundo era menos ruim do
que agora? Acho que é porque não tinha internet, eu não tinha smartphone, não
entrava no UOL entre uma prova corrigida e outra pra ler mais uma notícia
fresquinha, sei lá. Esta semana colocaram fogo em uma jovem dentista em um bairro do ABC paulista, uma moça viu seu irmão ser baleado na cabeça estando
sentada ao seu lado no banco do passageiro. Sim, eu vi aquele terror que não
era filme de ficção, os ladrões se aproximaram do carro e a câmera do GPS
gravou tudo. Gravou tudo, até o rapaz baleado perder controle do carro e bater
em um poste. E teve também uma reportagem agora há pouco no Fantástico sobre um
rapaz que esfaqueava os motoristas de táxi aqui em São Paulo. Segundo
ele era por causa das drogas que fazia aquilo, mas ele sequer dava às vítimas a
chance de saberem o que estava acontecendo. As apunhalava pelas costas pra
roubar-lhes os trocados que tinham nos bolsos. Este último bandido morreu nem
sei por quê, só sei que morreu, pois foi através de cartas confessionais que a
polícia descobriu e ligou um caso ao outro.
E aí eu fico pensando: eu tenho AIDS, sou portador do vírus
HIV há mais de 26 anos, e daí? Nossa sociedade está muito mais doente do que eu
ou qualquer outro que esteja neste momento agonizando em uma UTI hospitalar. É preciso
que mudemos nossas convicções e valores imediatamente a despeito do que a mídia
prega aos quatro cantos a todo instante. A gente precisa de mais amor, e de
menos coisas... de menos coisas que brilhem, que toquem, que se movam
rapidamente, estes últimos os chamados automóveis. Precisamos de mais
transporte público, de mais hospitais onde os médicos olhem em nossos olhos, de
mais empresas onde você valha aquilo que é; o que carrega consigo como parte de
sua bagagem moral e intelectual e valha menos pelos números que representa.
Precisamos de mais grupos de amigos cujos membros se abracem e convidem uns aos
outros para irem às suas casas no final de semana, de ambiente menos
plastificados pela luz eterna e artificial que impera nos shopping centers.
As pessoas têm que ser mais amistosas com o outro, receber
os novos nos ambientes escolares e de trabalho com um sorriso na face e uma
verdadeira boa vontade nas atitudes. Temos que tirar nossos sorrisos
instantâneos e biquinhos das fotos do Instagram e mostrar ao outro quem
verdadeiramente somos. Livrarmo-nos das capas de celular recheadas de falsos
brilhantes, dos Apples, Imacs, Windowsphones, smartphones que nos configuram seres importantes nos lugares públicos, dos carros caros pagos em 60
prestações altíssimas sem entrada. Trocar de carro todo ano, entra ano, sai
ano, a lugar algum vai nos levar. Temos que ler mais e ver menos, sim, ler,
ler, ler e ler mais ainda, porque ler nos faz pensar, refletir, viajar mesmo,
dentro de nós, dentro do outro. Pode ser que eu esteja aqui dizendo um monte de
besteiras, me desculpem se assim for, mas eu acho que estamos doentes de nós
mesmos, estamos doentes de sociedade, acho mesmo que o estado está com AIDS.
Sim, nossa sociedade está criando uma doença
auto-imunológica que faz com que as pessoas queimem umas as outras pra obterem
dinheiro, pra terem aquilo que o outro tem; isso é loucura, muita loucura,
minha gente! A sociedade como um todo, todos nós, precisamos de ajuda.
Eu não
sou santo, tenho vergonha em dizer que me enquadro em muitas das situações
descritas acima, sim, mas tenho pensado nisso, e entre uma aula e outra sempre
faço questão de me aproximar dos meus alunos e tentar jogar uma semente no ar
que os façam perceber que há muito mais para a vida do que o Iphone que eles
carregam escondido debaixo do livro e utilizam para trocar futilidades com o
melhor amigo que está perdido em outra sala de aula do mundo de meu Deus.
Eu estou passando por uma crise profissional e psicológica
porque alguém que só vê poder à sua frente decidiu me humilhar no intuito de me
mostrar quem é que manda. Isso me fez muito mal, me tirou quase a vontade de
continuar a fazer o que mais amo fazer na minha vida, ensinar o pouco que eu
sei ao outro. Isto vai passar, semana que vem tenho consulta no psiquiatra que
vai saber o que fazer com a depressão em termos de medicamento, etc. A pessoa
que fez, que está fazendo isso comigo, também vai passar. Enfim, tudo vai
passar. Mas o que não pode passar é nossa fé em um mundo melhor que só poderá
ser criado por nós mesmos. E não adianta ficar esperando o governo resolver tudo
porque eles não vão resolver tudo, nunca resolveram, nunca resolverão.
Temos que atacar nossas crianças com muito amor, com muito
valor, com muito ensinamento de caráter, com muito realismo, com muita lição de
ação-reação, do tipo “se você não fizer a coisa certa, você não vai obter bons
resultados. Resultados materiais nem sempre são os melhores, é melhor ter amigos, etc”. Temos que urgentemente educar nossas crianças, transmitir valores a elas, não o valor do
euro ou do dólar, mas o valor da honestidade, do amigo, do irmão, da mãe, do
pai, do tio, do avô, esses valores têm que ser diuturnamente passados às nossas
crianças. E principalmente o valor da vida, o valor de Deus, não o valor da
religião, mas o valor de Alguém que nos criou e que fica feliz quando fazemos o
bem ao nosso próximo independentemente de se chamar Alá, Jeová, Deus, Krishna,
não importa.
Talvez eu peça demissão do meu trabalho, talvez eu seja
demitido, talvez eu entre naquelas licenças longínquas que os psiquiatras cavam
no INSS, talvez tudo continue como era antes, não sei. O que eu sei é que além
do meu HIV e dos meus pequeninos problemas pessoais há em nossa sociedade
contemporânea um sério problema a ser resolvido, a falta de amor ao próximo e
consequentemente a si mesmo. Se pudermos dar mais valor às pessoas e menos
valor às coisas talvez tenhamos uma geração melhor nos próximos 20 anos.
Concordo com as tuas colocações.
ResponderExcluirPercebo que a sociedade se transformou, não diria Aids, mas, num câncer, com metástases, infelizmente.
O objetivo é ter, não ser. Ter dinheiro e não ser honesto. Os valores estão invertidos. As pessoas estão individualistas, nas atitudes e nas emoções. Estão alienadas. Preconceituosas. Más. Pode ser que este meu texto seja pessimista, mas eu diria, realista. Não estamos vivendo em um planeta encantado, pelo contrário, se assemelha a uma torre de Babel deteriorada, em chamas. Há muitas pessoas no mundo, mas, frequentemente, nos sentimos sós, abandonados. Não vejo uma melhora nesta situação. A cultura do ter, do efêmero, da "beleza", ..., já está instalada. Voltar à sanidade se torna uma utopia.
Abraços carinhosos.